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A transição energética verde do G20 depende da proteção dos direitos indígenas!

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A transição energética verde do G20 depende da proteção dos direitos indígenas!

Em algumas semanas, os líderes do G20 se reunirão no Rio sob o lema “Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável”. Mas, à medida que o mundo se aproxima desta importante reunião, uma questão crítica permanece: os povos indígenas e seus territórios estão na linha de frente dos impactos da transição verde. Apesar das grandes promessas de justiça e sustentabilidade, medidas políticas e legislativas são urgentemente necessárias para proteger seus direitos. 

Rasmus Kløcker Larsen, Philippe Hanna, Cássio Ingles de Sousa, Annette Löf, Katarina Inga, Carl Österlin / Published on 18 November 2024

Não se trata apenas de uma questão de justiça social – é uma questão de interesse estratégico para governos e indústrias. A falta de ação levará a profundos riscos legais, financeiros e de reputação, potencialmente inviabilizando a própria transição pela qual estamos nos esforçando.

O compromisso global com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e sua promessa de “não deixar ninguém para trás” deixou claro que os mais afetados pelas decisões de desenvolvimento devem desempenhar um papel de liderança na sua formação, especialmente quando seus territórios e meios de subsistência estão em jogo. No entanto, em todo o mundo, as comunidades locais e indígenas continuam a experimentar a transição verde como um veículo para o “colonialismo verde”, onde persistem violações dos direitos humanos, destruição de terras e motivos com fins lucrativos, deixando a justiça para trás.

A atenção aos direitos dos Povos Indígenas no Comunicado T20 é, portanto, mais do que bem-vinda. Este texto propõe “salvaguardar plenamente os direitos”, incluindo o direito das comunidades de dar ou negar o consentimento livre, prévio e informado (CLPI) – um princípio estabelecido no direito internacional. Este reconhecimento deve agora traduzir-se em ações concretas. Os líderes do G20 devem promover, endossar e promulgar a proteção de direitos em seus próprios países e nos países onde suas empresas multinacionais operam.

Tais ações estão muito atrasadas, dadas as falhas dos governos em legislar e regular de maneira congruente com os direitos indígenas. Existe uma lacuna gritante entre os direitos constitucionais, as ambições políticas e a realidade. A Lei de Matérias-Primas Críticas da UE e a Diretiva de Devida Diligência da Sustentabilidade Corporativa contornam amplamente os direitos indígenas. No Brasil, a implementação de cima para baixo da Hidrelétrica de Belo Monte, apresentada como um projeto de energia verde, prosseguiu apesar das objeções indígenas e das advertências sobre suas consequências ambientais. O resultado? Impactos devastadores na bacia do rio Xingu e um declínio acentuado nas condições de vida em Altamira – hoje uma das piores do país. Essas consequências não eram apenas previsíveis, mas evitáveis se o CLPI tivesse sido respeitado.

Esses exemplos destacam a necessidade crítica de os líderes do G20 priorizarem os direitos indígenas em suas políticas de sustentabilidade. Os novos projetos verdes financiados pelos bancos de desenvolvimento do G20 não devem repetir estes erros. Defender os direitos indígenas não é apenas uma obrigação moral – é uma necessidade pragmática para o sucesso da transição verde.

As recomendações do Comunicado T20, embora representem um avanço, não vão longe o suficiente. O Comunicado reconhece os Povos Indígenas como “vulneráveis” e alude ao ideal democrático de proteção de direitos, esquecendo um fato crucial: os Povos Indígenas não são impotentes. Em todo o mundo, eles se mobilizaram com sucesso para parar, atrasar ou anular decisões de licenciamento em projetos que ameaçam suas terras e meios de subsistência. Uma abordagem verdadeiramente baseada em direitos não é apenas uma questão de justiça – é do interesse estratégico dos governos e das indústrias evitar contratempos dispendiosos.

Os Povos Indígenas, muitas vezes em parceria com movimentos socioambientais e de defesa aos seus direitos, estão recorrendo cada vez mais a ações judiciais e protestos públicos para se oporem ao desenvolvimento não sancionado. A portas fechadas, muitos investidores já se retiraram de projetos de transição depois de saberem que o consentimento indígena não foi devidamente assegurado.

Na Suécia, por exemplo, há pelo menos 42 processos judiciais em andamento envolvendo comunidades de pastoreio Sami e decisões sobre o uso da terra. A pesquisa do Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI) indica que esses desafios legais estão levando os empresários do ramo de energia eólica a buscarem o consentimento indígena de forma mais proativa. Globalmente, o Business & Human Rights Resource Centre (Centro de Recursos para Empresas e Direitos Humanos) acompanhou 60 processos judiciais contra projetos de energia renovável, a maioria deles movidos por comunidades indígenas. Esses casos destacam uma tendência crescente: deixar de proteger os direitos indígenas não apenas prejudica as comunidades locais, mas também coloca em risco o sucesso da própria transição verde.

Para evitar novas batalhas legais e garantir uma transição verde bem-sucedida, os líderes do G20, as instituições financeiras e o setor industrial devem estabelecer estruturas regulatórias e financeiras robustas que garantam os direitos indígenas. Essa estrutura deve incluir as seguintes ações urgentes:

Acabar com ações de fachada e reformar as leis de uso da terra: políticas superficiais e padrões voluntários são insuficientes. Os governos devem realizar uma revisão completa das leis setoriais, especialmente as que regem as decisões sobre o uso da terra no local. Essas leis devem incluir requisitos sólidos de consentimento para os Povos Indígenas e supervisão adequada em setores como extração mineira, silvicultura e energia hidrelétrica. Somente com a incorporação dos direitos indígenas na legislação poderemos garantir a conformidade com as normas internacionais de direitos humanos e as decisões judiciais.

Resolver as assimetrias de poder: o desequilíbrio de poder e recursos entre o setor e as comunidades Indígenas deve ser resolvido. Isso significa fornecer financiamento substancial e reservado para que os Povos Indígenas liderem o planejamento do uso da terra em suas regiões e territórios. Processos de transformação, diálogo e gerenciamento de conflitos são essenciais quando há disputas complexas por terras. As comunidades indígenas também devem ter autoridade para supervisionar os processos de consentimento e interromper os projetos que considerem prejudiciais aos seus interesses. Aqui é importante destacar a necessidade de se seguir os Princípios e Protocolos dos Povos Indígenas para a Transição Justa, e a Declaração Aashukan, declarações coletivamente elaboradas por Povos Indígenas de todo o mundo, que definem como projetos devem consultar e dialogar com comunidades, conforme os termos estabelecidos por elas, além de orientar princípios para a avaliação de impacto ambiental e social de forma respeitosa, participativa e culturalmente adequada.

Reconhecer a liderança indígena: como afirma a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP), os povos indígenas têm o direito não apenas de participar, mas de moldar seus caminhos de desenvolvimento. Eles devem ter o poder de definir o que constitui uma transição justa, legítima e sustentável. Para as comunidades que suportam o ônus desproporcional da transição verde, enquanto outras colhem os benefícios, não se trata apenas de uma questão de inclusão, mas de justiça.

Uma transição verde que respeite os direitos indígenas oferece uma oportunidade para que essas comunidades liderem o caminho na determinação do uso da terra e das prioridades de ação climática em seus territórios. Essa abordagem levaria a investimentos mais equitativos e eficazes na transição climática de que precisamos com urgência. 

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